Em caráter excepcional e temporário, o Ministério da Saúde regulamenta uso da Telemedicina no combate ao coronavírus.
No último dia 20 de março, o Ministério da Saúde publicou, em uma edição extra do Diário Oficial, a Portaria MS/GM no 467, que dispõe, em caráter excepcional e temporário, sobre as ações de Telemedicina, com o objetivo de regulamentar e operacionalizar as medidas de enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional, decorrente da epidemia de COVID-19.
O IIESAU, como instituição de Ensino Superior com cursos de Graduação, Pós-Graduação e Extensão voltados para a área da saúde, considera fundamental compartilhar este conteúdo de grande relevância nos dias atuais.
Para aqueles que ainda não estão familiarizados com o termo, vamos responder a algumas questões que possam esclarecer dúvidas que ainda são comuns entre a população e a comunidade médica. Lembrando que todas as respostas abaixo, são fundamentadas na Portaria MS/GM no 467 e regulamentações do CFM (Conselho Federal de Medicina). Então, vamos lá:
O que é a Telemedicina?
É o exercício da Medicina através da utilização de metodologias interativas de comunicação áudio visual e de dados, com o objetivo de assistência, educação e pesquisa em saúde (CFM, Resolução 1.643/2002).
A Telemedicina pode ser realizada no Brasil?
Sim, a Telemedicina é considerada prática ética, nos limites da Resolução 1.643/2002 (e de outras resoluções) do Conselho Federal de Medicina.
O que é Teleconsulta?
Apesar de revogada, a Resolução CFM no 2.227/2018 trouxe a definição de Teleconsulta (art. 4o). De acordo com o CFM, Teleconsulta é a consulta médica remota, mediada por tecnologias, com o médico e paciente localizados em diferentes espaços geográficos.
A Portaria MS/GM no 467/2020 fala expressamente da Teleconsulta?
Sim. Conforme consta no art. 2o, caput, da Portaria, as ações de Telemedicina autorizadas de forma excepcional e temporária contemplam o atendimento pré-clínico (“triagem”), de suporte assistencial, de consulta, monitoramento e diagnóstico, por meio de tecnologia da informação e comunicação.
A Teleconsulta, nos termos da Portaria 467/2020, pode ser empregada apenas no âmbito público?
Não. A Teleconsulta regida pela Portaria 467/2020 pode ser utilizada no âmbito do SUS, bem como na saúde suplementar (“planos de saúde”) e no atendimento privado (art. 2o, caput, parte final).
EQUIPAMENTOS, PLATAFORMA E SUPORTE PARA TELECONSULTA
Para realizar a Teleconsulta é necessário algum equipamento, plataforma ou suporte específico?
Não. A Portaria 467/2020 não trouxe nenhuma menção a equipamento, plataforma ou suporte específico. Porém, é necessário que o meio de atendimento escolhido garanta a integridade, a segurança e o sigilo das informações.
Então a Teleconsulta pode ser feita por Whatsapp, Skype, Hangouts, Zoom, etc.?
Se garantida a integridade das informações transmitidas e trocadas entre paciente e médico, a segurança e o sigilo das informações, sim. Recomenda-se a utilização de programas e sistemas que consigam gravar e gerar arquivos próprios para cada Teleconsulta. Esses arquivos gerados a partir de cada Teleconsulta integram o prontuário do paciente e devem ser guardados pelo prazo legal (20 anos a partir do último registro no prontuário).
De quem é a responsabilidade pela escolha do meio de atendimento (que garanta a integridade, a segurança e o sigilo das informações)?
Cabe ao profissional/instituição de saúde a escolha do meio de atendimento ao paciente.
PRONTUÁRIO DO PACIENTE
Deve ser elaborado prontuário do paciente?
Sim. É obrigatória a elaboração de prontuário do paciente quando da realização de Teleconsulta, sob pena de infração ética.
Quais anotações devem ser feitas? Há alguma particularidade da Teleconsulta em relação ao prontuário?
Devem ser anotadas todas as informações que seriam feitas em uma consulta presencial. Devem ser registrados no prontuário os dados clínicos do paciente, a data e a hora (de início e de término) do atendimento. Além disso, o profissional responsável pelo atendimento deve se identificar (colocando o nome completo, número de inscrição no CRM e o Estado em que está inscrito).
Importante destacar que no prontuário do paciente deve também ser anotada a tecnologia da informação e de comunicação utilizada, ou seja, o profissional deve anotar no prontuário qual foi o “sistema/plataforma” que utilizou no atendimento.
FORMA E PARTICIPANTES DA TELECONSULTA
Pode ser feita Teleconsulta apenas com troca de informações verbais (sem a utilização de vídeo)?
A Portaria não traz nenhuma orientação ou proibição neste sentido. Por completa ausência de proibição, poderia ser realizada Teleconsulta apenas com troca de áudio entre paciente e profissional. Caberá ao profissional decidir a melhor forma a ser utilizada, sempre atendendo aos preceitos éticos da beneficência e não maleficência.
A Teleconsulta deve ser realizada necessariamente em tempo real (“ao vivo”)?
A Portaria não traz nenhuma orientação ou proibição neste sentido. Por completa ausência de proibição, a Teleconsulta poderia ser realizada tanto de forma síncrona (qualquer forma de comunicação à distância realizada em tempo real, com interação imediata) como assíncrona (qualquer forma de comunicação à distância não realizada em tempo real, sem interação direta imediata).
Clínicas podem realizar Teleconsulta?
Sim. Nesse caso, o responsável técnico (“diretor técnico”) da Clínica é responsável pelo respeito a todas as normas éticas relacionadas ao atendimento à distância, inclusive quanto ao sigilo das informações, elaboração e guarda do prontuário do paciente.
A Teleconsulta somente pode ser realizada com quem já é paciente?
Não. A Teleconsulta pode ser realizada com as pessoas que já são pacientes, mas também com pessoas que ainda não sejam pacientes do médico ou da Clínica.
CONSENTIMENTO DO PACIENTE PARA TELECONSULTA
O paciente precisa consentir que o atendimento seja por Teleconsulta?
Sim, há necessidade de o paciente expressamente consentir a realização da Teleconsulta, sobretudo porque dados pessoais de saúde são transmitidos de forma não presencial (“pela internet”).
Esse consentimento precisa ser por escrito?
A Portaria não traz essa obrigatoriedade. Recomenda-se que seja por escrito (Termo de Consentimento Informado para Teleconsulta). O TCI para Teleconsulta deve ser anexado ao prontuário do paciente. Na impossibilidade de ser obtido o consentimento por escrito para a realização da Teleconsulta, recomenda-se que o profissional, ao iniciar a transmissão, informe o paciente sobre a Teleconsulta e peça o seu consentimento expresso verbal (registrando o procedimento de coleta do consentimento do paciente para a Teleconsulta no prontuário).
O paciente deve ser informado que após o período excepcional e temporário de emergência de saúde pública a Teleconsulta pode voltar a não ser considerada ética pelo Conselho Federal de Medicina?
Sim. O médico deve informar, antes de iniciar a Teleconsulta, que futuramente a Teleconsulta pode não ser mais “permitida” pelo CFM, tornando-se necessária a retomadas das consultas presenciais.
O paciente tem o direito de ser informado sobre o caráter excepcional e temporário da permissão ética referente à Teleconsulta, a fim de que possa exercer o seu direito à autodeterminação de iniciar este tipo de relacionamento com o profissional/clínica. Essa informação deve constar no Termo de Consentimento Informado para Teleconsulta.
REMUNERAÇÃO E DIVULGAÇÃO
O médico tem direito de cobrar pela Teleconsulta?
Sim. A Teleconsulta é um ato profissional e deve ser remunerada. Se a Teleconsulta for em caráter privado, o paciente (ou seu responsável) é quem deverá pagar pelo serviço prestado. Nos casos de atendimento via saúde suplementar, o responsável pelo pagamento seria o “plano de saúde” (operadora, cooperativa, etc.).
Quais cuidados adotar em Teleconsulta particular para não ficar sem receber?
Antes de iniciar a Teleconsulta, o médico deve informar ao paciente que se trata de uma consulta médica à distância e que a Teleconsulta é cobrada (mencionando o valor), bem como que a prática está autorizada em caráter excepcional e temporário. Nos casos de atendimento via saúde suplementar (“planos de saúde”), o paciente precisa ser orientado no sentido de que ele deverá pagar o valor da consulta, caso o “plano de saúde” não autorize este tipo de atendimento.
O médico pode anunciar/divulgar que fará Teleconsulta gratuita ou com preços promocionais?
Não. Como já dito anteriormente, a Portaria 467/2020 não modificou o Código de Ética Médica, limitando-se a excepcioná-lo, de forma pontual, extraordinária e temporária quanto à possibilidade de realização de Teleconsulta. Não houve alteração das normas éticas quanto à publicidade, relação entre médicos e remuneração médica. Desta forma, o anúncio de Teleconsulta gratuita poderia caracterizar infração aos artigos 51, 58 e 18 (combinado com a Resolução CFM 1.974/2011). Não se recomenda a divulgação de Teleconsulta gratuita ou com preços promocionais.
Mas o médico pode cobrar valor diferente (maior ou menor) na Teleconsulta do que cobraria na consulta presencial?
Sim. Não há nenhuma vedação quanto à cobrança de valores diferentes para a consulta e a Teleconsulta. O que persiste é a vedação ao anúncio de preços promocionais, preços com descontos e gratuidade.
RECEITA E ATESTADO
Pode ser emitida receita médica ao final da Teleconsulta?
Sim. A Portaria 467/2020 estabelece que a emissão de receita à distância será válida em meio eletrônico.
Uma possibilidade de emissão da receita eletrônica é com a utilização de assinatura eletrônica, por meio de certificado e chaves emitidos pela Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil), gerando um documento assinado eletronicamente com todas as garantias de segurança da ICP-Brasil – autenticidade, integridade, confidencialidade e não-repúdio.
A receita médica deve ser emitida pelo médico que realizou a Teleconsulta.
Todos os requisitos relativos à receita médica previstos em atos da ANVISA devem ser observados. Não houve alteração quanto a isso.
Pode ser emitido atestado médico ao final da Teleconsulta?
Sim. A Portaria 467/2020 estabelece que a emissão de atestado à distância será válida em meio eletrônico. É obrigatório que o atestado contenha as seguintes informações: identificação do médico (nome, CRM e Estado), identificação e dados do paciente, registro de data e hora e duração do atestado.
Recomenda-se que o atestado também seja emitido com a utilização de assinatura eletrônica, por meio de certificado e chaves emitidos pela Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil), gerando um documento assinado eletronicamente com todas as garantias de segurança da ICP-Brasil – autenticidade, integridade, confidencialidade e não-repúdio.
O atestado deve ser emitido pelo médico que realizou a Teleconsulta.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como já mencionado à exaustão, a prática da Teleconsulta está temporária excepcionalmente “autorizada” no Brasil, enquanto perdurar o quadro de emergência em saúde pública.
Não é obrigatória a realização da Teleconsulta, seja pelo paciente, seja pelo profissional, cabendo a este a decisão quanto à utilidade e ao benefício que podem ser proporcionados ao paciente com a utilização da Teleconsulta.
O paciente tem o direito de receber previamente todas as informações e todos os esclarecimentos necessários a respeito da Teleconsulta, para que possa, livre e conscientemente, decidir pela sua participação neste tipo de atendimento remoto.
Os casos de urgência e emergência devem ser tratados com o mesmo rigor e com as mesmas orientações/recomendações de uma consulta presencial.
Ao final da Teleconsulta, recomenda-se que o profissional indague expressamente se o paciente ficou com alguma dúvida acerca do atendimento.
Também ao final da Teleconsulta, e considerando a justificativa para a sua “permissão” excepcional e temporária, o paciente deve ser informado sobre a necessidade ou não de buscar atendimento médico-hospitalar presencial, a depender do seu quadro clínico (informado).
É imprescindível a estruturação de Termo de Consentimento Informado para Teleconsulta, seja para a assinatura pelo paciente (recomendado), seja para a leitura e obtenção do consentimento expresso verbal do paciente, antes de efetivamente ser iniciada a Teleconsulta.
Todas as obrigações relativas à consulta médica presencial permanecem inalteradas, incluindo a elaboração do prontuário do paciente, com o registro da Teleconsulta, a tecnologia da informação e comunicação utilizada e o arquivamento do vídeo/áudio.
Em caso de dúvida, procure um especialista em Direito Médico.
Texto retirado de artigo publicado pelo Dr. Marcos Coltri, advogado com atuação exclusiva na área de direito médico e da saúde. Pós-graduado em Direito Médico e da Saúde.